No próximo Domingo teremos as eleições autárquicas mais
importantes de que tenho memória. Por um conjunto de razões: porque prenunciam
o fim de um ciclo eleitoral, que normalmente se altera de 3 em 3 eleições (e
pudemos ver isso em 1989 e 2001), dando primazia a um dos partidos do poder;
porque a lei de limitação de mandatos finalmente estabelecida marca o fim dos
dinossauros autárquicos, alguns na cadeira desde os anos setenta, se bem que se
possam candidatar a outras autarquias (o que não é bem a mesma coisa), o que
irá provocar alguns pequenos sismos e mudar a composição de muitas câmaras onde
os partidos dominantes já tinham criado raízes; e porque finalmente assistimos
a uma verdadeira disseminação de candidaturas independentes.
Até agora, a maior parte destas listas era de independência
duvidosa, já que se tratava, na prática, de uma qualquer secessão num partido
de determinado candidato preterido pela escolha de outro, ou pelo seu
afastamento ditado pelas cúpulas partidárias. Houve algumas tentativas de se
formarem reais listas independentes, como o movimento de Helena Roseta, em
Lisboa, que rapidamente acabou absorvido pelo PS, mas na realidade apenas em
juntas de freguesia se conseguiram levar a votos – e à vitória – listas sem
ligações partidárias.
Agora observam-se outros movimentos que não apenas os
recusados que abandonam o partido. Fenómenos que acontecem em cidades de relevo, como Coimbra
ou Tomar, e em concelhos menos visíveis, como Oleiros. E, evidentemente, no
Porto, onde se verifica a mais interessante experiência deste tipo – e não falo
do ex-socialista Nuno Cardoso.
Desde há muito que se sussurrava que Rui Moreira, até há
pouco presidente da Associação Comercial do Porto e habitual comentador de
jornais e televisões, poderia ser candidato à Câmara do Porto. Em Março,
perante uma enorme plateia no simbólico Mercado Ferreira Borges, lançou
finalmente a sua candidatura independente. O CDS-PP, que não se revia nos
projectos que o candidato do PSD tinha para o Porto, deu-lhe o apoio oficial,
prescindindo de avançar em listas próprias. Moreira aceitou o apoio mas não
estabeleceu qualquer compromisso, preferindo manter-se liminarmente
independente. A princípio, havia regozijos com uma candidatura que poderia
baralhar as contas e trazer uma lufada de ar fresco à campanha. A pouco e
pouco, percebeu-se que uma maior ambição era justificada. De repente, Moreira
surgia nas sondagens em segundo, à frente do candidato socialista, Manuel
Pizarro, e logo atrás do “vencedor anunciado”, Luís Filipe Menezes. O
entusiasmo encontrado nas ruas, mesmo em locais onde se pensou que se encontraria
indiferença ou hostilidade, deu razões para acreditar que se podia conseguir
mais do que o segundo lugar. Ontem, as sondagens da Universidade Católica
mostraram finalmente a candidatura de Rui Moreira em primeiro lugar, enquanto
que hoje o JN deu um empate técnico, depois de Menezes aparecer sucessivamente
uns bons pontos à frente.
Como já perceberam, não escrevo com distância nem sequer com imparcialidade.
Apoio a candidatura de Rui Moreira, e já há uns tempos tenho a convicção de que
a sua vitória é mais do que possível. O contacto com as pessoas na rua dá-nos
uma visão mais clara das tendências dominantes, muito embora cada um tenha as
suas razões. Mas também sei que o eleitorado portuense pensa por si próprio,
indiferente a quem as cúpulas partidárias escolhem para o representar. Já deu
essa prova noutras ocasiões, como em 2001, em que Rui Rio bateu o até ali “invicto”
Fernando Gomes. E numa altura de carências e apertos, não é com promessas
descabeladas de gastos sem fim e campanhas pomposas e exorbitantes que
convencem os eleitores do Porto.
Rui Moreira representa uma certa burguesia liberal do Porto,
aquela mesma que o tornou numa cidade comercial e industrial dinâmica, e, acima
de tudo, livre e com amor pela liberdade. É esse mesmo amor pela liberdade que
leva a que tanta gente queira votar nele, não só pelo que propõe mas para dar
uma valente bofetada aos caciquismos, ao aparelhismo mais boçal, à arrogância
dos partidos que julgam que os votos lhes pertencem e que os municípios são a
sua coutada pessoal, para alimentar clientelas, as famosas “bases”, e demais pedinchices
locais. O voto em Rui Moreira no Domingo é não só útil para o Porto mas
para o país inteiro, porque será um seriíssimo aviso aos aparelhos partidários.
Sim, nestas autárquicas vamos ver fenómenos interessantes, mas não apenas um “cartão
amarelo” ao governo: o fim dos presidentes jurássicos e a emergência dos
independentes como alternativa aos bolorentos aparelhos clientelares. Por isso,
mesmo com a chuva, saiam de casa e votem. É não só um dever e um direito, mas uma oportunidade única que não devem desperdiçar.
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