segunda-feira, setembro 21, 2015

Corbyn e o isolacionismo britânico



Há inúmeras razões para se ficar espantado com a eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista britânico. Desde logo, porque já com Ed Miliband o partido tinha virado mais à esquerda, com os resultados que se conhecem. A anterior grande deriva esquerdista, da autoria de  Michael Foot, em 1983, teve resultados calamitosos, e grandes líderes trabalhistas, como Atlee, Wilson, e porque não dizê-lo, Blair, não eram especialmente radicais. Depois, porque várias questões mais "esquerdistas" tinham sido tomadas por novos partidos, como os Verdes, o mais radical Respect, e até o SNP da Escócia ou mesmo os liberais-democratas pré-coligação governamental. E acima de tudo porque boa parte da base em que assentava o "velho" Labour mudou completamente, como as chamadas "classes trabalhadoras", ou quase desapareceu, como a indústria mineira, da qual existem uns rudimentos saudosos.

Mas o que me espanta mais são algumas opiniões de Corbyn do que devem ser as relações internacionais do Reino Unido (que provavelmente preferiria que fosse república unida). Simpatia pelo Hamas e Hezbollah, apoios ao desaparecido Hugo Chávez, defesa do IRA, recusa em qualquer intervenção contra o chamado "Estado Islâmico", e um sentimento isolacionista eurocéptico e anti-NATO (agora já o disfarça, mas em anteriores discursos pronunciou-se tanto contra a UE como contra a NATO, com o desejo de as deixar). Nesse aspecto, o país seria efectivamente uma ilha, a não ser que planeasse algum projecto comum com a Venezuela ou outros estados com igual credibilidade. Sair da UE já traria custos económicos elevados (que opinião apoiará no referendo anunciado de 2017?). Sair da NATO, então quebraria o elo com os Estados Unidos que já dura há décadas - e que segundo McMillan e todos os que se lhe seguiram, era a melhor forma de substituir o império perdido - e com outros aliados e tornaria o Reino Unido irrelevante e à mercê de qualquer ameaça, a começar pelos territórios ultramarinos, embora o novo líder da oposição britânica pareça suficientemente lunático para considerar que as  Falklands deveriam ir para a Argentina mesmo contra parecer dos seus habitantes. Se o futuro do Labour com Corbyn já seria incerto, com estas ideias de política externa não é mesmo de crer que vá muito longe. Cameron e os Lib-Dem devem andar a correr todos os pubs para festejar a nova liderança trabalhista.

4 comentários:

A.Teixeira disse...

O que me intriga nestes episódios de deriva esquerdista é que as preocupações que vejo são sempre formuladas - e o seu caso não é excepção - por quem é de direita e, em rigor, deveria ver os "seus" saírem eleitoralmente beneficiados com as consequências da inflexão. Excluído o altruísmo, não percebo as razões para tanta preocupação, a não ser que ela assente no pressuposto que o povo é tão estúpido que, em condições propícias, o "centrão" acaba por votar pela alternância independentemente do conteúdo ideológico radical da oposição. E aí percebe-se a preocupação e o problema de quem seja de direita, receosos daquilo que "aquela" esquerda pode fazer se alcançar o poder. Observado dessa perspectiva, aí torna-se uma preocupação pertinente aquela que formula, João Pedro, especialmente nos sistemas bipartidários anglo-saxónicos, binários na forma como as equipas governamentais ocupam o poder.

Mas o que a História dos últimos 30 anos nos tem mostrado, na minha modesta opinião, é que o fenómeno que o apoquenta, se tem manifestado por mais do que uma vez, mas do lado direito do espectro político. Talvez valesse a pena referir que o extremismo de Michael Foot que menciona havia sido precedido do extremismo de sinal contrário de Margaret Thatcher e que os dois cavaram um "buraco de moderação" preenchido pelos 25% de votos obtidos pela Aliança Social-Democrata/Liberal. Só os efeitos do sistema eleitoral britânico reduziram esses 25% a 4% da representação.

Mais recentemente e muito mais importante para nós, um partido que se designa e que mantém um programa social-democrata tornou-se responsável pela implementação de um programa liberal para a economia portuguesa - atente-se até a esta última sanha privatizadora de Sérgio Monteiro envolvendo a TAP e os STCP. Ora, com excepção de alguns casos pontuais, não tenho dado por grandes preocupações do estilo da sua por esta "derrapagem ideológica" do PSD até limites bastante ousados do pensamento económico.

Eu bem sei que são os radicalismos do Corbyn que o apoquentam, mas, por mim e já que falamos de radicalismos, seria bom que os nossos pensadores económicos da direita liberal, tão calados nos dias que correm, se exprimissem sobre o que foi conseguido nestes últimos quatro anos, porque paira no ar uma ideia difusa que não nos vamos ficar por aqui e que o que estará a dar é aquele senhor que tem muitas ideias originais, o Arroja, que até já propôs que se privatizassem os rios...

João Pedro disse...

Apesar de tudo, não me parece que à direita tenha havido grande correspondência com aquilo que Corbyn defende (agora por acaso até temos Donald Trump, bem mais desbocado, mas um fenómeno mais tipicamente americano), tirando aqueles casos de partidos xenófobos crescentes e não exactamente noeliberais. Mesmo Thatcher, se levou a cabo uma política social e económica mais radical, na senda do neoliberalismo tão em voga nos anos 80, não chegou tão longe que acabasse com o SNS criado por Atlee, por exemplo, e a nível internacional, descontando amizades duvidosas com gente do calibre de um Pinochet, não hesitou em entrar em guerra com a ditadura argentina. Poderia Corbyn fazer o mesmo?

Mas a minha preocupação, mesmo sabendo que dificilmente este "red labour" será poder, tem mais a ver, como escrevo no post, com questões externas. Bem sei que o crescimento económico e o baixo desemprego no Reino Unido mascaram outras situações, mas ainda assim a minha perplexidade é porque é que tanta gente, e ao que parece mais jovem, deu os seus votos a um eurocéptico e "NATOcéptico" com admirações nada recomendáveis. Porque convenhamos, Camoeron não está no mesmo grau à direita que Corbyn está à esquerda. Agora ocorreu-me o nome de Nigel Farage.

E não sejamos injustos com Arroja, que desde há uns anos para cá mudou muito as suas ideias (essa dos rios não conhecia, mas lembro-me dele defender que os votos e os órgãos humanos fossem transacionáveis pelos seus "proprietários").

João Pedro disse...

Sobre a concessão dos STCP e do metro do Porto, hei de escrever umas coisas daqui a uns dias.

A.Teixeira disse...

Pelo substância do que replica é um prazer (continuar a )discordar de si.

A abrir uma excepção, e a continuar a conversa, fá-lo-ia sobretudo pelo Arroja, e pela soberba intelectual de achar que aquelas ideias peregrinas que o popularizaram tinham estado à sua espera.