A visita de Barack Obama a Cuba, em fins de Março, a primeira de um presidente norte-americano à ilha em 90 anos, foi um momento histórico assinalável, mas talvez não tanto como o concerto que Rolling Stones deram dias depois, na Havana. Os dinossauros do rock atrairam meio milhão de cubanos a uma extensa arena desportiva, num concerto gratuito em que actuaram sem cachet, ficando a organização e a logística a cargo de um conjunto de entidades voluntárias. Os cubanos puderam finalmente ver os monstros sagrados do rock, tão velhos como os barbudos que tomaram o poder em 1959, e cuja icónica língua rivaliza em popularidade com a imagem de Che Guevara imortalizada por Albert Korda. E ficaram provavelmente mais próximos do resto do mundo e da decadência e da "frivolidade burguesa" como Fidel Castro e Guevara não se cansavam de chamar ao então novo estilo de música que claramente os horrorizava.
Como alguém lembrou por estes dias, o rock é a antecipação da queda das ditaduras. Nem sempre, claro, mas arriscaria dizer que quando é proibido e depois lhe dão uma ligeira abertura, se transforma no arauto do fim próximo do regime opressivo. Aconteceu na Hungria, aproveitando-se das primeiras aberturas do regime, com o concerto dos Queen em Budapeste em 1986. Como se sabe, a Hungria haveria de abrir as suas fronteiras com a Áustria pouco depois e seria o primeiro membro do Pacto de Varsóvia a pôr o comunismo de lado. Também a URSS cedeu perante os Pink Floyd, em 1989 (pouco antes do discutível show em Veneza). Dois anos depois, o regime comunista e a própria federação caíam por terra. E outros exemplos haverá.
Mas nem só a queda de regimes comunistas teve a visita anterior do rock. Por cá tivemos um exemplo óbvio: Vilar de Mouros, 1971. Apesar das restrições do Estado Novo, António Barge, Victorino de Almeida e mais uns quantos conseguiram organizar o "Woodstock português" na bucólica aldeia entre Caminha e a serra D´Arga. Apareceram roqueiros, hippies, malta de barba e cabelo comprido, novas tribos nunca antes ali vistas, a fumar substâncias estranhas e a banhar-se despidos nas águas do Coura, e a espantar os habitantes locais. Os relatórios da época dão-nos conta do choque de impressões, ainda que os relatores os tenham exagerado.
O que é certo é que menos de três anos depois caía o Estado Novo. Não que tenha sido directamente por causa de Vilar de Mouros, como é evidente. Mas o festival trouxe ecos de fora do país, revelou nova hábitos e novas tendências, e obviamente novas visões que tornavam o Estado Novo ainda mais anacrónico e que serviram para passar uma página pouco tempo depois.
Raul Castro que se cuide.
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