A trapalhada institucional, judicial e político-partidária que se está a passar no Brasil mostra bem até que ponto se leva a hipocrisia ao extremo para se alcançar o poder. Ou para o defender. Cá e lá.
O PMBD, partido que sustentava a maioria no congresso, resolveu retirar o apoio ao governo de Dilma Roussef e abriu caminho para a aprovação de um eventual impedimento (vulgo impeachment), que destituiria a presidente do seu lugar e que colocaria no seu lugar o vice-presidente, Michael Temer...que é o próprio presidente do PMBD. Para a vice-presidência, iria o presidente da câmara de deputados, Eduardo Cunha, que seria substituído pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. Todos membros da cúpula do PMBD e todos implicados nas investigações da operação Lava Jato e por diversos casos de corrupção. O PMBD é, aliás, o maior covil de baixa política e casos obscuros, num sistema partidário onde por si só isso já abunda. O herdeiro do antigo MBD - o movimento que agregava os opositores à ditadura militar que vigorou entre 1964 e o início dos anos 80 contra o partido do regime, a ARENA, no sistema bi-partidário então existente - já gozou de um mínimo de respeitabilidade e já teve figuras de relevo. Actualmente é a maior formação parlamentar, tanto no congresso dos deputados como no senado, e tem uma fortíssima implantação local, com inúmeras prefeituras e governos estaduais, assentes num vasto caciquismo. À imagem de outros congéneres sul-americanos é um partido "pega-tudo" do centrão, de fraca ideologia, com o objectivo único do poder, que nunca tem candidato próprio à presidência do Brasil e que se alia ora a um ora a outro para garantir a manutenção do seu próprio poder. Já esteve com Fernando Henrique Cardoso, depois com Lula e Dilma, e provavelmente apoiará quem estiver na calha para a presidência. Agora rompeu com o PT, alegando as suspeitas do caso Lava-Jato, quando os seus dirigentes são exactamente os mais implicados. Terão uma oportunidade de se guindar ao poder e assim obter a imunidade necessária para escapar às acusações. Tudo gente honesta e altruísta, como se vê.
Por cá temos os nosso velhos conhecidos PCP e Bloco de Esquerda a protestar contra o "golpe" supostamente urdido pela "direita". Se os bloquistas ainda criticam a nomeação de Lula para o seu novo cargo (de forma a protegê-lo de investidas judiciais) e as jogadas do PT, o PCP nem isto admite e reafirma mesmo que o "golpe" tem por trás a mão da CIA. O radicalismo ideológico leva a picos de ridículo como estes, mas do PC, que continua a viver numa qualquer dimensão temporal pré-1989, tudo se espera. O "impeachment" pode ser uma jogada política eticamente reprovável e obscura, combinada por movimento políticos sem a menor moral para o fazer, mas a sua legalidade só poderá ser observada pela comissão de deputados, e portanto, poderá ser um acto absolutamente legal. A teoria do "golpe", e ainda mais patético, as teorias de que a CIA estaria por trás ou que se prepararia um golpe a sério promovido pelas forças armadas, podem parecer delirantes, mas o soundbyte que fica no ouvido é das armas mais utilizadas pelas nossas sociedades altamente dependentes da tecnologia e da informação ao segundo. Vermos dois partidos que apoiam um governo constituído por um partido que perdeu as eleições e que volta e meia dizem que "a direita está raivosa e ressabiada" porque "o governo é constitucionalmente legítimo" estarem agora com a conversa do "golpe" mostra até que ponto este assunto os deixa ainda mais raivosos e ressabiados, como se as manobras políticas ao abrigo de regras formais só fossem admissíveis para um espectro político.
Eis a hipocrisia política no seu estado mais descarado com a mesma disputa como fundo. Cá e lá.
Eis a hipocrisia política no seu estado mais descarado com a mesma disputa como fundo. Cá e lá.
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