A proliferação de smartphones e aparelhos semelhantes com acesso à net por grande parte da população é um desespero para quem observa atentamente e um acto normal e indiferente para quem os usa. Se num acto isolado, numa espera, numa viagem, o seu uso é justificável e normal, torna-se exasperante aos que estão próximos ver pessoas em grupo, numa qualquer actividade social, a usá-los maciçamente, como se não estivesse mais ninguém à volta. Ainda no outro dia reparei em dois indivíduos, à mesa do restaurante, virados um para o outro, e que em lugar de conversarem normalmente teclavam com fúria, num silêncio toldado pelo ruído dos teclados. E não é invulgar vermos grupos de pessoas com alguns elementos pelo meio, até a meio de uma conversa, ou até a meio de uma conversa, absorvidos pelo ecrã sem quase reparar nos interlocutores.
Esse vício dos tempos actuais é provavelmente o substituto de outros gestos utilizados para não se parecer que se estava sozinho ou sem fazer nada. Até à emergência dos telemóveis, disfarçava-se a inércia (ou fazia-se de conta que não se viam pessoas menos desejáveis) olhando-se para o relógio, por exemplo. Depois apareceram os primeiros aparelhos móveis, e começou-se a falar em toda a parte, a enviar mensagens, a praticar joguinhos. Isso até os aparelhos se tornarem mini-computadores com todo o tipo de acessórios e aplicações. Até agora, só não servem café nem protegem da chuva.
Talvez isso tenha ajudado, além das questões de saúde, a diminuir o consumo de tabaco. Dantes, puxar de um cigarro ou de uma cigarrilha era, apesar de tudo, "fazer alguma coisa". Dava sempre a impressão de se estar ocupado, além de dar ares de pensamento profundo ou de boémia, conforme os ambientes. De há uns anos para cá, com a vaga anti-tabágica vinda directamente dos Estados Unidos, o fumo passou a ser proibido em quase todos os espaços interiores e a ser bastante menos tolerado. Muitos ficaram desarmados, sem o cigarro na mão. Mas tal como muitos hábitos mudaram mais por razões práticas do que morais, também o tabaco deve em parte o seu afastamento aos novos suportes tecnológicos. Havendo estes aparelhos, já não se tinha de "fazer alguma coisa" através do fumo. E uma nova ocupação, muitas vezes camuflada, surgiu. É certo que os espaços ficaram mais respiráveis, mas em contrapartida, são incontáveis as vezes em que alguém está absorto pelo ecrã, e se for para aqueles jogos insuportáveis, pior ainda. É bem verdade que a natureza tem horror ao vácuo, e a um vício sucede sempre outro.
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