segunda-feira, julho 04, 2016

Big-Bang político, o legado de Michel Rocard


Os obituários deste fim de semana estiveram completamente sobrecarregados: Camilo de Oliveira, Elie Wisel, Michael Cimino, todos eles foram objecto de artigos e de atenção mediática. Incrivelmente, parece ter passado despercebido o desaparecimento de Michel Rocard, um dos políticos franceses e europeus mais importantes dos anos oitenta-noventa, de que só soube pela capa do I.

Rocard, que exerceu o cargo de primeiro-ministro de França no fim dos anos oitenta, era um dos poucos no PSF a declarar-se social-democrata, isso quando a palavra era tabu num partido que anos antes tinha governado em coligação com o PCF de Marchais. Aliás, até há bem pouco tempo, o PSF continuou agarrado a fórmulas esquerdistas e jacobinas antigas e só recentemente começou a descolar. Manuel Valls, que tem protagonizado essa mudança, é um seguidor confesso do antigo estadista e das suas ideias. No início dos anos 90, Rocard, à frente do partido, propôs uma mudança radical que teve algum eco, com o seu célebre "Big-Bang" político. A ideia era fazer um amplo movimento reformista que incluísse não apenas socialistas mas também ecologistas, comunistas renovadores, centristas, católicos progressistas ou defensores dos direitos humanos tout court. Estavam reunidas as componentes da Deuxième Gauche de que era figura de proa, e que se opunha à esquerda marxista e jacobina.

O PS francês sofreu duros reveses eleitorais durante a sua liderança, e as ideias do Big-Bang foram postas de lado. Só recentemente Valls tentou levá-las avante, e apenas em parte. O Big-Bang permaneceu como uma das ideias políticas dos anos noventa que não chegou a ser levada avante, e que caso o fosse, teria talvez regenerado a esquerda reformista francesa e dado capacidade para se bater com a direita unida da ex-UMP, e quem sabe, travado o passo à Frente Nacional. Agora, o PSF está pelas ruas da amargura, os Republicanos (ex-UMP) colam os cacos e reorganizam-se, e a FN permanece na crista da onda. Rocard era um homem de visão. Há tempos, previu o Brexit e as razões para a saída do Reino Unido (coisa que desejava). Não foram pois os resultados do referendo que provocaram a sua morte. Seria bom por isso que se olhasse para as suas ideias e se tentasse aproveitar um pouco. Porque o centro político e as forças democráticas só ganharão nova força renovando-se, olhando para os problemas e enfrentando-os com coragem e realismo. Michel Rocard sabia disso. Os que fizeram ouvidos de mercador terão agora forçosamente de interpretar bem o seu legado político.


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