As notícias sobre a morte de Fidel são tantas e tão variadas, assim como as discussões nas redes sociais, que não haverá muito mais a dizer, pelo menos no que à sua biografia diz respeito. O essencial: um jovem cubano formado em direito comandou uma revolução que derrubou a anterior ditadura, tornou-se um ícone revolucionário (ao lado de Che Guevara e outros, como Camilo Cienfuegos), aliou-se à URSS contra os Estados Unidos, tendo-se tornado o principal escolho dos americanos, resistiu no poder mesmo com o fim da União Soviética e manteve-se à frente dos destinos da ilha durante quase cinquenta anos, retirando-se aos oitenta, tendo vivido mais dez (e, pormenor importante, tendo recebido a visita de Marcelo Rebelo de Sousa, que por acaso também estava em Berlim na altura da queda do Muro...).
Os cubanos da ilha e o respectivo regime choram a morte de Fidel, e dos seus apaniguados admiradores, de Maradona ao PCP, ouvem-se louvores ao "herói da libertação", ao passo que em Miami os exilados dançam e abrem garrafas de champanhe. Nada de inesperado. Já mais controversos serão os títulos de jornais que tratam Fidel como um ícone revolucionário e parecem esquecer o regime que prendeu, matou e obrigou ao exílio largos milhares de cubanos. Ou a posição do Bloco, para quem Fidel se limitou a "cometer erros"; sim, trata-se do mesmo Bloco que saiu à rua para defender Luaty Beirão, um preso como há tantos em Cuba, ou que é um feroz defensor das causas gay, tantas reprimidas por Fidel. No fundo, revela apenas a sua natureza, camuflada por roupas democráticas. Mas em Portugal, como noutros países, é comum trata-se Fidel nas palminhas: lembro-me, aquando da Cimeira Ibero-Americana no Porto, em fins dos anos noventa, de apenas uma vintena de pessoas, entre os quais amigos meus, ter ido protestar à porta da Alfândega, onde se desenrolava o encontro, com tarjas lembrando os direitos humanos censurados em Cuba. Já num comício que o "comandante" deu num armazém em Matosinhos acorreram milhares de apaniguados, embora algo desiludidos no fim com mais um dos intermináveis e soporíferos discursos com que Fidel brindava o público.
A grande diferença de Fidel em relação a outros ditadores, mais do que ter ele próprio derrubado uma ditadura sob o manto do guerrilheiro romântico, é que quase provocou uma guerra nuclear com a crise dos mísseis que seriam instalados na sua ilha, mesmo em frente aos Estados Unidos. A determinação de Kennedy e o acordo que posteriormente estabeleceu com Krushev provocou a ira de Fidel, mostrando assim toda a sua irresponsabilidade (ou fúria assassina?). Aparentemente, a Crise dos Mísseis de Cuba tem sido por estes dias tratado como um caso menor, apesar de na altura ter deixado o Mundo em suspenso com a possibilidade de uma guerra nuclear.
Apesar de todos os encómios que lhe possam dar, Fidel era um ditador anacrónico, que desapareceu agora, em paz. Que em paz possa ficar o seu país, agora que o imprevisível Donald Trump anuncia a animosidade com os laços que enfim se reestabeleceram entre a ilha e os EUA.
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