quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Depois dos protestos, a guerra declarada


Há uns dias dedilhei um post sobre o discreto apagamento da crise ucraniana dos noticiários e jornais. Escrevi cedo demais. O conflito ressurgiu com violência inaudita, e a estas horas, o número de mortos, só os de hoje, chega aos 75, entre civis e polícias. Aquilo que eram protestos inflamados transformou-se numa pré-guerra civil, com barricadas, mortos e feridos e ocupações de edifícios governamentais por todo o país (ou melhor dizendo, pelo ocidente do país). A população de Kiev e do lado ocidental, pró-europeia e tradicionalmente desconfiada do grande vizinho russo, com activistas radicais à mistura a incendiar a situação, quer o derrube do governo e o afastamento da Rússia. Claro que o país de Putin, que pensa em restaurar a sua zona de influência no antigo espaço da URSS através de uma nova comunidade por si chefiada, nunca poderia permitir uma Ucrânia com relações especiais com a UE e a NATO. Bem lhe bastou perder as repúblicas bálticas e os antigos satélites do Pacto de Varsóvia (que exibem orgulhosamente a sua pertença àquelas duas organizações) para agora perderem também a Ucrânia, afinal o berço da Rússia, presidida por um notório pró-russo.

Entre os manifestantes há inúmeras milícias semi-armadas, militantes do partido radical Svoboda ou neonazis declarados, que queimaram edifícios governamentais e pilharam a sede do Partido das Regiões, no poder. Do lado governamental fala-se em snipers instalados nos telhados do centro de Kiev e de milícias formadas por arruaceiros e recrutadas na Crimeia, região pró-russa, onde o partido comunista local, nostálgico da URSS, defende a união com a Rússia e a Bielorrússia. Com todo esse caldo, não é difícil de imaginar que a situação só muito dificilmente se acalmará. Já houve previsões de que a Ucrânia seria "a nova Bósnia". Não é descabido. A Rússia seria neste caso a Sérvia (ainda para mais um país com quem tem fortes laços culturais), Kiev a nova Sarajevo, a parte russófona a República Sprska e a parte ocidental faria o papel de Bósnia muçulmana-croata. Com a diferença de que as dimensões seriam neste caso muitíssimo maiores e as baixas incontáveis. Além disso, estes protestos em massa e a reacção das forças policiais recordam também a violenta revolução da Roménia, em 1989.


Esperemos que nem Bósnia nem Roménia se repitam. No último século, a Europa já produziu mais horrores do que os que é capaz de assimilar. Uma guerra civil, nas fronteiras da União Europeia, teria resultados tremendos e incertos, para além das perdas de vidas. Sendo optimista, prefiro acreditar que é uma crise efémera, como a que aconteceu há uns vinte anos na Rússia, e que não durará muito mais. Podiam era aproveitar para dividir o país, como fizeram com a Alemanha, ou melhor ainda, com a Checoslováquia, e teríamos uma Ucrânia ocidental e outra oriental. Só que desta vez, e ao contrário do que aconteceu com os alemães, os respectivos habitantes até deviam aplaudir.

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