quarta-feira, julho 20, 2016

A guerra que começou há 80 anos


Há 80 anos, a 17 de Julho de 1936, começava o levantamento de Franco e de outros generais para derrubar a república, no seguimento de vários incidentes que culminaram com o assassínio de Calvo Sotelo, líder da direita parlamentar. Como se sabe, o levantamento teve eco nalguns pontos do país, mas falhou noutros, desde logo em Madrid e Barcelona, dando origem à terrível guerra civil que durante três anos devastou o país vizinho. Enfrentaram-se dois blocos políticos antagónicos divergentes mesmo entre si, os republicanos ou lealistas (que incluíam republicanos maçons, liberais, socialistas, comunistas, trosquistas, anarquistas, autonomistas bascos e catalães, entre outros). apoiados pela URSS e pelo México, e os nacionalistas (sobretudo monárquicos, conservadores, falangistas-fascistas, carlistas), apoiados pela Alemanha, Itália e oficiosamente, por Portugal. Com superior máquina de guerra e forças mais preparadas, e aproveitando-se das encarniçadas lutas internas no campo adversário, foram estes últimos os vencedores, ganhando terreno ao campo republicano até à queda de Barcelona, Valência e Madrid, em 1939. Nesses três anos terríveis houve atrocidades das duas partes, com quase mais mortos que prisioneiros. Meses depois do fim, começava a 2ª guerra Mundial.
       Manuel Azaña e Francisco Franco, os dois grandes representantes de cada lado, ainda em tempos da república
 
Os 80 anos do início da Guerra caem precisamente numa altura em que Espanha está sem governo efectivo depois das inconclusivas eleições de 26 de Junho, em que o risco de secessão da Catalunha é real, em que a classe política está desprestigiada e surgem novos actores partidários, quiçá mais radicais, e em que Espanha está ameaçada pela Comissão Europeia de novas sanções. Aparentemente, o único problema afastado é a questão de regime. E nalguns casos, certos fantasmas dos anos trinta parecem reaparecer, sobretudo quando há radicais ou irresponsáveis que os trazem à luz do dia.
 Claro que hoje em dia a sociedade espanhola não está tão dividida como em 1936, salvo nos nacionalismos catalão e basco (o galego é mais uma teimosia de sectores minoritários), já que pode haver combinações possíveis, impensáveis há oitenta anos (por exemplo, monárquico e autonomista). À esquerda, o PCE e sobretudo o PSOE são muito diferentes do que eram na altura, as formações republicanas azañistas são irrelevantes, os anarquistas também definharam (a sede da CNT/FAI em Barcelona é quase imperceptível, como tive ocasião de verificar), o POUM é uma memória; à direita, a Falange não é mais que meia dúzia de saudosistas (e todos os partidos neofranquistas foram um fracasso), os carlistas, ainda mais minoritários, dividiram-se numa pequena facção de esquerda e noutra de direita, e monárquicos há-os em toda a parte; curiosamente, talvez seja o PP o mais parecido com um dos grandes partidos da época, a CEDA, de Gil Robles (cujo filho, o espanhol que melhor português vi falar, pertence ao PP e chegou a presidente do Parlamento Europeu), embora num contexto muito menos tenso. Aparentemente, o Podemos é a formação com mais saudades da república, como se provou com alguns militantes destacados fazendo manifestações anticlericais, mesmo sabendo ao que isso levou. E a sua implantação crescente não é um bom sinal.
Mas a lição da história parece ter caído bem nos espanhóis. Aparentemente, e a julgar pelos resultados eleitorais, os povos vizinhos não têm grande vontade de reviver os anos trinta, nem sequer nos cenários de secessão.

É irónico que nos últimos dias vários periódicos do nosso país tenham publicado uma qualquer sondagem em que mais de 70% dos portugueses veriam com bons olhos uma união ibérica. Tenho dúvidas nos métodos do inquérito e se as pessoas perceberam bem o que lhe perguntaram. Mas aos  iberistas que ficariam muito agradados numa fusão por questões fiscais e outras razões menores, devia-se-lhes perguntar se também gostavam de ser "ibéricos" ao tempo da Guerra de Espanha, como tudo o que isso implicou. Tenho ideia que o seu fervor se dissiparia num instante.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente retrato histórico do passado, muito recente, de Espanha. Só não sei se actualmente os franquistas serão assim tão poucos. Não no sentido mais ortodoxo mas, pelo menos, com fortes simpatias pela figura.de qualquer forma, gostei imenso do texto.

João Pedro disse...

Obrigado. Julgo que serão muito poucos os que gostariam de voltar a um regime pró-franquista, mesmo que haja mais do que os poucos que exibem o folclore nacionalista. Os partidos franquistas sempre tiveram escasso sucesso, e a tentativa de golpe de 1981 pelo coronel Tejero praticamente não teve apoio popular. Mas também há quem ache que existem mais do que o que parece, açaimados pelo PP...